Texto escrito para anais do Congresso de Psicoterapias Corporais de Curitiba.
SAINDO DA ARMADURA....
Kelly Cristine Vieira Lemos
RESUMO
Nosso corpo está sempre em transformação, de acordo
com a experiências moldamos, formamos, encouraçamos e desencouraçamos nosso
corpo. O corpo possui os movimentos de expansão e de contração que seriam
naturais e fisiológicos, porém podem tornar-se crônicos originando as couraças.
A Terapia Reichiana tem uma proposta de abrandamento das couraças através de
intervenções verbais e corporais onde há liberação de sentimentos e impulsos a
muito reprimidos. O método Feldenkrais traz nova possibilidade através de
movimentos suaves e pouco habituais no trazer formas novas de nos movermos
física e psiquicamente, atua como uma educação somática. O processo de
consciência pelo movimento afia a ligação da pessoa com a inteligência do seu
organismo. Você não sabe o que não sabe e só quando se permite experimentar uma
maneira de agir que nunca tenha tentado antes é que será capaz de sentir que
está acontecendo algo novo, logo, não faça algo bem, faça de outro jeito.
PALAVRAS CHAVES: Couraças. Método Feldenkrais.
Terapia Corporal.
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Desde a concepção o nosso se forma e se transforma
continuamente...e essa transformação traz registros emocionais, experiências e
formas ao nosso corpo.
Segundo Eva Reich (1997), o ser humano se retrai com
medo e com a dor, esse retraimento pode ser chamado de contração. O seu contrário
é a expansão, o campo energético expande-se nas sensações prazerosas. Esses
movimentos são fisiológicos e indicam saúde no organismo.
As contrações musculares diante do medo nos preparam
para uma ação e depois cedem, seriam contrações musculares temporárias e
naturais. Essas contrações podem deixar de ser naturais e tornarem-se crônicas
quando se mantem mesmo diante de algo nem tão ameaçador, o nosso corpo está sempre
num estado de alerta, onde permanece em contração, logo, este fluxo energético
e o movimento entre contração e expansão está bloqueado, este seria o conceito
de encouraçamento (BAKER, 1980).
Reich (1989) afirmou que para sucesso na análise do
caráter o analista teria que atravessar a barreira narcísica, pois não é fácil
se deixar analisar. Anos depois no livro a função do orgasmo, Reich (1995)
afirma que como a couraça limita o paciente, é claro que a sua inabilidade para
expressar-se fazia parte da enfermidade e que a resistência não é tanta má
vontade como pensavam muitos analistas. Passou a observar mais o corpo e as
expressões do paciente, onde mesmo em silêncio os pacientes se revelavam. “As
palavras podem mentir. A expressão nunca mente.” (REICH,1995,p.151).
Estas couraças ocorrem a nível muscular, visceral,
tissular e forma-se para reprimir emoções e impulsos, e podem ser
hipo-orgonóticas, onde há desvitalização, baixa irrigação e hipotonia muscular
tendendo a ser frias e pálidas; ou hiper-orgonóticas onde há hipertonia muscular, congestão líquida,
hipersensibilidade, tendendo a ser quentes e doloridas (TROTTA, 1999).
Segundo Navarro (1996), os segmentos corporais foram
chamados de “níveis” por Reich e são sete:
·
Segmento Ocular;
·
Segmento Oral;
·
Segmento
cervical;
·
Segmento
Torácico;
·
Segmento
Diafragmático;
·
Segmento
Abdominal; e
·
Segmento
pélvico.
Cada segmento tem seus bloqueios e relação com a
problemática do indivíduo e todo trabalho da terapia corporal é atuar nessas
couraças resgatando essa pulsação natural entre a contração e o relaxamento
corporal.
Obviamente este é um processo que inclui a análise do
caráter, e o uso do corpo durante todo processo. A intervenção inclui técnicas
verbais e corporais que visam desencouraçamento, liberação de impulsos e
emoções reprimidas, a elaboração de conteúdos psíquicos favorecendo a
restauração e pulsação de fluxos orgonóticos (TROTTA, 1999).
Segundo Navarro (1995) o desbloqueio deveria
acompanhar os segmentos em ordem sequencial do primeiro ao sétimo.
Baker (1980), afirma que os segmentos são
interligados que o desbloqueio num determinado segmento pode acentuar outros.
Embora os segmentos sejam vistos didaticamente separados e tratados como
independentes, esta autonomia não deveria ser tomada de forma radical uma vez
que cada segmento corresponde a um todo e estamos trabalhando com um organismo
total que funciona segundo uma interdependência de todas as suas partes.
Eva Reich (1995), afirma que a couraça corporal serve
como proteção do contato com sentimentos angustiantes e que nos impede de viver
mais plenamente, e ressalta que deve-se ter cuidado com terapias que acreditam
que a couraça deve ser quebrada como uma casca de noz, pois aí há o perigo de
uma nova lesão, a formação de uma couraça mais forte até um estilhaçamento
da personalidade. Ela desenvolveu a
bioenergética suave onde um dos princípios é o do Estímulo mínimo onde afirma:
[...] quando tocamos o corpo do
paciente, esse toque não deve ser doloroso, o trabalho deve ficar abaixo do
limite da dor. O corpo humano reage aos contatos de maneira diferenciada; de qualquer maneira, o
toque dá início a um processo energético. Chamo esse procedimento de “Princípio
da Ostra”: tocada suavemente, a ostra se abre e mantém-se aberta; com toques
mais duros ela se fecha (REICH, 1997, p.37).
O método Feldenkrais foi desenvolvido por Moshé
Feldenkrais (1904-1984), nasceu na Rússia, fez doutorado em Física na Sourbonne
em Paris, após uma lesão corporal grave passou a desenvolver seu método e
aprofundou seus estudos em biomecânica, neurofisiologia, psicologia entre
outros e em 1949 publicou o livro Body and Mature Behavior e passou a ser procurado
por pessoas com dificuldades motoras e psíquicas (FELDENKRAIS, 1981).
Feldenkrais (1949), afirma que apesar do discurso de
que o homem deve ser visto como unidade, as terapias atuam de forma
fragmentada, cada uma dando ênfase a determinadas particularidades do indivíduo
e sua proposta seria a integração dos sistemas esqueléticos, neuromuscular,
ambiental e os processos de desenvolvimento.
Segundo Romano (2003), Feldenkrais baseou-se no
desenvolvimento infantil e privilegiou o movimento como instrumento de
investigação e auto-conhecimento. É um técnica corporal de educação somática.
Tem duas modalidades, a forma individual que é denominada de integração
funcional onde há um diálogo sem palavras entre o corpo do paciente e as mãos
do terapeuta, onde busca-se novas formas de mover-se integralmente.
O trabalho realizado em grupo é chamado de
consciência pelo movimento, os movimentos são realizados a partir de comandos
verbais e devem ser realizados de forma suave e com percepção, para seu próprio
movimento, não há metas ou formas corretas de se realizar, cada um em contato
com seu próprio corpo, descobre novas possibilidades.
Hoje o método tem total respaldo no conceito de
plasticidade neuronal. Em 1949 ele já afirmava: “Não quero corpos flexíveis e
sim mentes flexíveis”.
E dizia que o segredo era que não se poderia aumentar
a sensibilidade, auto-percepção sem reduzir o esforço (FELDENKRAIS,1984).
Segundo Feldenkrais (1977), cada pessoa se move, fala
e sente de modos diferentes, de acordo com a auto-imagem que construiu sobre
si. Essa auto-imagem governa nossos atos e é condicionada pela hereditariedade,
educação, cultura e auto-educação.
Para mudar nosso modo de ação, devemos, devemos mudar
a imagem própria que temos de nós mesmos, o que deve ocorrer é uma mudança na
dinâmica das nossas reações e não uma mera substituição de uma ação por outra.
Essas mudanças envolvem alterações nas motivações e a mobilização de todas as
partes do corpo a elas relacionadas.
Segundo Feldenkrais (1981) o aprendizado deve ser prazeroso,
e deve-se permitir o tempo necessário para que cada assimilar a ideia do
movimento e se organizar para realiza-lo com leveza e suavidade. Os movimentos
são pouco habituais tentando mudar padrões rígidos de movimento, por exemplo,
sempre movemos os olhos e cabeça juntos, experimente mover a cabeça para
direita e os olhos para esquerda. Essa é uma possibilidade totalmente nova.
As atitudes como gostar e não gostar, conceitos,
relacionamentos ou estados emocionais, são todos baseados em padrões de ações
físicas, posturais e musculares. Eles são passíveis de mudança e devem ser
modificados se estivermos dispostos a alterar nosso estilo de vida de modo
profundamente satisfatório (KELEMAN, 1994).
A consciência pelo movimento é um método que ensina a não desistir da
liberdade. O Dr. Moshé Feldenkrais, fundador do método, criou um processo de
aprendizagem pelo qual as pessoas podem aprender com paciência, delicadeza e
segurança, num ambiente cálido[...]. Quando as pessoas se conscientizam de suas
opções mais amplas, suas barreiras psicológicas perdem o poder sobre elas. Elas
alcançam o outro lado não só capacitadas a transitar nas vastas expansões da
liberdade, mas ainda portando a dignidade de serem soberanas em suas ações,
capazes de escolher a maneira como desejam viver (ALON, 2000).
O processo de consciência pelo movimento afia a
ligação da pessoa com a inteligência do seu organismo. Você não sabe o que não
sabe e só quando se permite experimentar uma maneira de agir que nunca tenha
tentado antes é que será capaz de sentir que está acontecendo algo novo, logo,
não faça algo bem, faça de outro jeito (ALON, 2000).
Gaiarsa in FELDENKRAIS (1977) afirma que Feldenkrais
demonstra que as frustrações e inabilidades não se tratam apenas de má
organização de movimentos, mas de uma má organização da personalidade inteira,
com margem enorme de esforço, desperdício, ineficiência e sofrimento, há grande
importância psicológica nos movimentos e que seria bom combinar Feldenkrais e
Reich.
Basta perceber e elaborar com cuidado a noção: o que Reich denomina
couraça muscular de caráter (soma de todas as nossas deficiências motoras
funcionais- aquelas mesmas que Feldenkrais permite corrigir) pode ser expresso
também pelo termo ATITUDE. Assim a conexão psicossomática e psico-muscular se
faz completa.(FELDENKRAIS,1977, p.13).
Gaiarsa afirma que Feldenkrais nos ensina a amar o
corpo – na maneira de trata-lo. E depois de aprender a tratar o corpo com
atenção, delicadeza e cuidado, pode-se vê-lo responder fácil e claramente ao
que se fez por ele, descobrimos que aprendemos a amar o que está dentro dele:
nós mesmos (FELDENKRAIS, 1977).
REFERÊNCIAS:
ALON,
R. Espontaneidade Consciente. São
Paulo: Summus, 2000.
BAKER,
E.F. O Labirinto Humano: Causas do bloqueio
da energia sexual. São Paulo: Summus, 1980.
FELDENKRAIS,
M. Body and Mature Behavior: A study
of anxiety, sex, Gravitation, and learning. London: Routledge and Kegan Paul,
1949.
FELDENKRAIS,
M. Consciência Pelo Movimento.
Sétima edição. São Paulo: Summus, 1977.
FELDENKRAIS,
M. The elusive obvious. Califórnia:
Meta publications, 1981.
FELDENKRAIS,
M. The máster moves. Califórnia:
Meta publications, 1984.
KELEMAN,
S. Realidade Somática: Experiência
Corporal e verdade emocional. São Paulo: Summus, 1994.
NAVARRO,
F. Caracterologia Pós-reichiana. São
Paulo; Summus, 1995.
NAVARRO,
F. Metodologia da vegetoterapia
caractero-analítica. São Paulo: Summus, 1996.
REICH,
E. Energia Vital pela Bioenergética
Suave. São Paulo: Summus, 1998.
REICH,
W. A Função do Orgasmo. São Paulo:
Brasiliense, 2004.
REICH,
W. Análise do Caráter. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
ROMANO, D. Introducción al método Feldenkrais: El
arte de crear consciência através del movimento.
TROTTA, E. “Metodologia da
Orgonoterapia”. Revista da Sociedade Whilhelm Reich/RS, Brasil, v.3, p. 32-57,
1999.
Kelly Cristine Vieira Lemos/RJ – Fisioterapeuta do INTO, especialista em
neuropediatria pela UFSCar. Terapeuta Reichiana formada pelo núcleo de psicoterapia
reichiana/RJ. Formação pela International Feldenkrais Federation. Cursando
mestrado em psicossociologia pela UFRJ.
E-mail: kcvlemos@yahoo.com.br